(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

segunda-feira, outubro 31, 2005

o ser da transparência ------------------------> desvele.

"O texto é a única forma de identificar o sexo e a humanidade de alguém porque, ó poeta estranho, o sexo de alguém, é a sua narrativa. A sua, ou a que o texto conta, no seu lugar. Assim o sexo será como for o lugar do texto.

Quando se deseja alguém, como tu desejas Infausta, e ela deseja Johann, é o seu lugar cénico que se deseja,
os gestos do texto que descreve no espaço
e chamar-lhe
precioso companheiro;
de mim, direi que fui uma vez enviado,
trouxeste a frase que nunca antes leras,
o meu corpo a disse, e não reparaste que ficaste com ela escrita."

Llansol - Lisboaleipzig

domingo, outubro 30, 2005

lavoura

me escondo debaixo das folhas secas caídas desde o outono, me escondo entre as folhas e a terra úmida de chuva. planto meus pés na terra e formigas vermelhas cortam caminho pelos meu ombros, meus galhos. com as mãos livres enterro pérolas na terra, e vejo brotar caminhos escuros que me gritam. choro pela impossibilidade do andar, meus pés já se transformaram em raízes.
com os dentes vou cavando buracos em minhas próprias pernas, roendo meus próprios ossos até que me desprenda do solo. sem pés e sem raízes me arrasto com cuidado até um biombo de madeira, onde me recosto e fecho os olhos de estrelas tristes. o assombro que me toma e me percorre, é por lembrar que das raízes que restaram no solo, nasceu uma bela flor de pétalas azuis,
no entanto,
lacrimosa.

.
Lá fora o tempo passa sem saber pra onde.
.
O tempo passa de olhos fechados ao lado dos que andam sem rumo.
.
O tempo entra pela garganta no trago profundo do cigarro
.
E sai em fumaça branca perdendo-se no espaço
.
O cigarro tem um tempo de cinco minutos
.
O tempo é o que enche os olhos de cinzas
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E abre mais ainda os rasgos
.
O tempo de quem espera é o dobro do tempo de quem demora
.
O tempo é o que incita a carne em putrefação
.
É amigo dos vermes, o tempo que nos envolve como uma serpente
.
É traição
.

domingo, outubro 23, 2005

a troça deles + meus destroços.

anjinhos tão ternos eliminando veneno
pelos olhos tão sérios e castos
extremos
anjinhos sibilantes na agudez do passo
e o compasso calado
sem ser nulo e mudo:

- senta e espera a transcendência!
a transfiguração do peso em leveza
de pluma
espera e colhe a fruta madura
o pomo escandalosamente escarlate
a cor púrpura,
num conjunto unitário
que não é solidão,
onde o tempo não é remendo
nem a causa necessária
de vossa salvação sem festa
em degenerescência.

um encolher cansado de ombros
e esses anjinhos malvados
rodopiando no ar
mentindo em falsas promessas
cuspindo cá embaixo e rindo
dos nossos tropeços das nossas
palavras subsidiadas que são flechas
sem ponta
- ponte quebrada -
esses anjinhos petulantes
dando rasantes
sobre o nosso desassossego.

quinta-feira, outubro 20, 2005

(particularuniversal)


Isso é um fractal, forma geométrica que pode ser subdividida indefinidamente em partes, as quais, de certo modo, são cópias reduzidas do todo.

códigos.

- pela falta da química eu introduzo a física e com a lei da gravidade a meu favor, faço-o despencar de uma janela do 37° andar. pronto. estou novamente livre, ainda que o corpo estatelado no chão me doa. ainda que com ele seja uma parte de mim que se vai.
- mas que mentira horrenda! projeção não é parte, é sombra vampiresca que suga e que está entre você e o outro. No desejo de saber o que acontece do outro lado, você formata o outro de acordo com as suas próprias disposições. Livre-se disso, portanto! Chão existe para tais, aparar o que cai, consolar o tropeço, preceder a queda.
- Solto ao vento e fecho os olhos, mas que depois a chuva leve os cacos e preserve meus pés de tais precariedades. (diz como em oração.)


- Dança uma valsa de despedida e esboçando sorrisos, embriaga-se de curaçao blue -

quarta-feira, outubro 19, 2005

pesquisando outras coisas no google, essa beleza entrou sem pedir licença. publico também por respeito à incoveniência, ela tem a sua graça.

Manobra Outonal

Eu não digo: foi ontem. Com dinheiro de verão
desvalorizado no bolso estamos novamente
no debulho do escárnio, na manobra outonal do tempo.
E a saída de emergência para o sul não nos é,
como aos pássaros, favorável. À noite,
passam barcos pesqueiros e gôndolas, e às vezes
me atinge um estilhaço de mármore cheio de sonho,
onde sou vulnerável, através da beleza, no olho.

No jornal leio muito sobre o frio
e suas conseqüências, de mórbidos e mortos,
de desalojados, matança e miríades
de pedaços de gelo, mas pouco sobre o que me agrada.
E por que deveria? Para o mendigo, que vem ao meio dia,
fecho a porta na cara, pois é tempo de paz
e pode-se poupar tal visão, mas não
na chuva a morte infeliz das folhas.

Vamos fazer uma viagem! Vamos ver debaixo dos ciprestes
ou também das palmeiras ou das plantações de laranjas
a preços reduzidos o crepúsculo inigualável!
Vamos esquecer as cartas não respondidas ao ontem!
O tempo faz milagres. Mas quando nos alcança em momento
errado,
com o pulsar da culpa: nós não estamos em casa.
No porão do sentimento, sem dormir, me encontro
no debulho do escárnio, na manobra outonal do tempo.

Ingeborg Bachmann

sábado, outubro 15, 2005

Isso é um escaravelho, e escaravelho não é barco.

sexta-feira, outubro 14, 2005

memórias.

Aos cabelos brancos de mamãe, atribuo toda a contradita de papai. Os cabelos brancos de papai foram surgindo à medida do meu crescimento anual em centímetros, e a cada vez que piscava os olhos, seus cabelos se enchiam alvos. E eu rezava, por favor, perdoa-me a falta, a puberdade, a superação. Perdoa-me os pelos que crescem, as ancas de moça e o seu necessário assassinato. Até o dia em que vesti seu terno e sua gravata esquecidos no armário, e olhando no espelho me senti um homem corrupto. Hoje seus cabelos se encontram prateados, e eu nem peço perdão.
Hoje atribuo aos cabelos brancos de mamãe, além da contradita de papai, a sua própria resignação. Aos seus cabelos brancos segue-se o olhar tristemente acostumado, um humor mórbido e ensimesmado. Esses cabelos brancos se multiplicam em sua cabeça, e eu espero pelo dia em que eles cresçam até sua cintura, e as minhas mãos finas os escovem e façam deles uma linda e grande trança, e de mim uma tecelã silenciosa. Chegará também o dia em que papai e mamãe serão só cabelos, pois estes continuam a crescer mesmo depois da morte, como as unhas. E quanto à mim, que serei uma mulher de coque orgânico e despenteado, temo pelo dia em que sentada lendo um livro, ou mesmo durante o sono, inevitavelmente vestirei a gravata de papai resignada e só, como o humor branco de mamãe.

dos poemas que não escrevi.

Ausência

Por muito tempo achei que ausência é falta
E lastimava, ignorante, a falta..
Hoje não a lastimo.
Não há falta na ausência.
Ausência é um estar em mim.
E sinto-a tão pegada, aconchegada nos meus braços
Que rio e danço e invento exclamações alegres.
Porque a ausência, esta ausência assimilada,
Ninguém a rouba mais de mim.

(Drummond – Com o pensamento em Ana C.)

quarta-feira, outubro 12, 2005

ECOAR.

estado:
em competição com as cigarras pra ver quem grita mais alto.

segunda-feira, outubro 10, 2005

não sei mais escrever. (já soube?) portanto agora (pode ser que só até amanhã) só recorto e colo meus amores. vale?

Advertência


Estes delírios, observações, etc. são de alguém que, para além
de qualquer compromisso, se encontra sem mãe, sexo ou pátria.
que tenta
sangrar pela palavra um sistema, uma base espacial. sem
ilha rochosa
apenas um corpo de frases com toda à promessa do solo à
superfície ou
de uma estrela. um magma: um centro que se aguente, flor
e nervura
a atmosfera com tecido vascular raios que iluminam
e revelam.
ansiando por... um bilhete. uma brecha. um buraco de fechadura.
algum sinal de -. agarrando-se à ingênua fé que
a viagem abrirá-. ficar fisicamente doente como uma adolescente.
sem trabalho de mão para a palavra exceto para a viagem. exceto para um manual
gasto, mapas de rotas
e dicionário. exceto para o ritual. exceto para o ritmo.
dialéto da cabeça de deus? beijo de uma língua estrangeira?
viagem interior:
cérebro foguete. deus meu crânio. sim viajar é a chave, não,
como
sugeriu rimbaud, caridade.
De um lindo livro de poesias da Patti Smith - "Witt"

sábado, outubro 08, 2005

bonjour tristesse

a saída do inteligível ao sensível muitas vezes pode resultar em frustração, não se esqueçam.
a contingência e a incerteza deste último é o descompasso na minha dança, a espontaneidade errante das minhas vontades - em descompasso com o mundo.

Fui para um paralaxe, só com passagem de ida, sem planos de retorno.
(a realidade não me basta & a cidade me derrama, deixo-me escorrer, correr, fugir.)
"Não será o abismo um aniquilamento oportuno? Não me seria difícil ler nele não um repouso, mas uma emoção. Disfarço meu luto sob uma fuga; me diluo, desmaio para escapar a toda essa compacidade, a essa obstrução, que me torna um sujeito responsável: saio: é o êxtase."
ao mesmo tempo:
"O mundo submete todo empreendimento a uma alternativa; a do sucesso ou do fracasso, da vitória ou da derrota. Protesto por uma outra lógica: sou ao mesmo tempo e contraditoriamente feliz e infeliz: "conseguir" ou "fracassar" têm para mim sentidos apenas contingentes, passageiros(o que não impede que minhas dores e meus desejos sejam violentos); o que me anima surda e obstinadamente não é tático: aceito e afirmo fora do verdadeiro e do falso, fora do êxito e do malogro; estou destituído de toda finalidade, vivo conforme o acaso( a prova é que as figuras do meu discurso me vêm como lances de dados). Confrontado com a aventura(aquilo que me ocorre), não saio nem vencedor, nem vencido: sou trágico.
(Dizem-me: esse gênero de amor não é viável. Mas como avaliar a viabilidade? Por que o que é viável é um Bem? Por que durar é melhor que inflamar?) "
Roland Barthes

quarta-feira, outubro 05, 2005

leminski

confira
tudo que respira
conspira

segunda-feira, outubro 03, 2005

diálogo de surdos ou diálogo de duas pessoas que acabam de entrar para o saber.

- Quanto tempo! Você sumiu!
- Sumi? Na verdade eu nunca apareci. Criança, se você achar que a realidade é só aquilo que você vê, você está num quarto fechado com dois grandes espelhos.
- Explodiu carne podre, rosa-astral por todas as esquinas, becos, alamedas, pinguelas que ajudavam a passagem de formigas e crianças espelhadas.
- O que se vê por aí correndo no céu e nadando nos ares é sempre aquela frustrante sensação de se afogar, mesmo no alto da mais alta montanha.
- E você, com você não acontece isso não? Formigas vermelhas, cabeçudas que sacodem as antenas em direção às crianças e com as antenas fazem sinais indicando qual o caminho certo para evitar aquela pressão do espelho.
- Sábio, sabão, sabonete, sapólio, todos querendo exterminar o utópico róseo-astral. Quero ver você tentar e não conseguir.
- É que fui e nunca mais voltei de lá. Simples como resolver a questão de Deus ser um e três ao mesmo tempo.

domingo, outubro 02, 2005

dois perdidos numa noite suja

o jovem-senhor gostava muito de violência assim como eu embora por motivações diferentes porque as minhas são estéticas sim a estética da perversidade e a dele me parece algo como um princípio de castração mal sucedido certo eu também tive um processo de castração mal sucedido o outro não passa de objeto que deve se submeter sim deve se submeter sim curvar-se para que eu possa morder cuspir não não gosto de cuspidas porque o objeto não merece água nem saliva nem nada sendo que o bom é o grito o berro que ecoa e preenche o ímpeto que se contenta com grito porque depois o outro deve reagir senão some a graça o gozo e dessa vez a violência deve ser infringida contra mim pisar na minha cabeça a violência moral para que eu me curve e como um cão raivoso que espuma pela boca morda os tornozelos até o sangue até que o outro desculpe-se retrate-se senão eu fujo com o rabo entre as pernas por cinco minutos e retorno com um monte de espinhos e furo um por um como pregos sobre a pele do outro que já está vermelha e agora converte-se em fogo porque queima e arde e espinhos mais espinhos imbecil retrate-se de joelhos de joelhos no sal grosso para que se purifique com espinhos e sal grosso para que se resgate a dor primeva para que você sinta desgraçado como dói como dói de joelhos entre os pés e a cabeça o joelho que está entre é intermédio aí também existe dor além das extremidades depois admito que o corpo de posse de espinhos me aperte contra a parede de chapicos e transfira-os para as minhas costas porque eu também mereço sei que também mereço não sou flor que se cheire na verdade nem flor nem cheiro só torpor sede&torpor canino agora de posse de espinhos as costas sangram e saem lágrimas dos olhos pequenos chore chore mas sem ser de culpa ou auto-comiseração chore pelo sal que é o mesmo da lágrima e do sal grosso que grande revelação de posse dos espinhos começo a tirar um por um inclusive na aorta porque queria ver esguicho e pintar o teto de vermelho pintar o outro de vermelho sim agora que eu quero sujar o rosto de fluidos de semêm de ódio a libido sim a libido escorre no meio das pernas e converte-se em socos a libido transfere-se pro rosto do outro pro nariz quebrado o olho roxo a marca de dentes no pescoço agora que ele está sentado no seu canto fumando um cigarro atrás do outro depois de todo o processo depois de ungir-se e da purificação há que começar tudo outra vez nesse desejo que é quase um destruir ao lado e sempre e tanto do violentar.

sábado, outubro 01, 2005

o sorriso de karenin

"Nietzsche está saindo de um hotel em Turim. Vê diante de si um cavalo, e um cocheiro espancando-o com um chicote. Nietzsche se aproxima do cavalo, abraça-lhe o pescoço, e sob o olhar do cocheiro, explode em soluços. Isso aconteceu em 1889, e Nietzsche já estava também distanciado dos homens. Em outras palavras: foi precisamente nesse momento que se declarou sua doença mental. Mas, para mim, é justamente isso que confere ao gesto seu sentido profundo. Nietzsche veio pedir ao cavalo perdão, por Descartes. Sua loucura (portanto seu divórcio da humanidade) começa no instante em que chora sobre o cavalo. É este Nietzsche que amo, da mesma forma que amo Tereza, acariciando em seus joelhos a cabeça de um cachorro mortalmente doente. Vejo-os lado a lado: os dois se afastam do caminho no qual a humanidade, "senhora e proprietária da natureza", prossegue sua marcha para a frente."

Kundera