(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

sexta-feira, outubro 14, 2005

memórias.

Aos cabelos brancos de mamãe, atribuo toda a contradita de papai. Os cabelos brancos de papai foram surgindo à medida do meu crescimento anual em centímetros, e a cada vez que piscava os olhos, seus cabelos se enchiam alvos. E eu rezava, por favor, perdoa-me a falta, a puberdade, a superação. Perdoa-me os pelos que crescem, as ancas de moça e o seu necessário assassinato. Até o dia em que vesti seu terno e sua gravata esquecidos no armário, e olhando no espelho me senti um homem corrupto. Hoje seus cabelos se encontram prateados, e eu nem peço perdão.
Hoje atribuo aos cabelos brancos de mamãe, além da contradita de papai, a sua própria resignação. Aos seus cabelos brancos segue-se o olhar tristemente acostumado, um humor mórbido e ensimesmado. Esses cabelos brancos se multiplicam em sua cabeça, e eu espero pelo dia em que eles cresçam até sua cintura, e as minhas mãos finas os escovem e façam deles uma linda e grande trança, e de mim uma tecelã silenciosa. Chegará também o dia em que papai e mamãe serão só cabelos, pois estes continuam a crescer mesmo depois da morte, como as unhas. E quanto à mim, que serei uma mulher de coque orgânico e despenteado, temo pelo dia em que sentada lendo um livro, ou mesmo durante o sono, inevitavelmente vestirei a gravata de papai resignada e só, como o humor branco de mamãe.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

perdoe-me pela falta de ternura suficientemente para que os cabelos mesmos que ate a cintura sejam negros e vivos, sem que o cinismo e a auto-comiseração faça da nossa família algo intargável e destrutível. Perdoa-me se meu amor não esta sendo o suficiente para não lhe deixar despenteada a noite só na cama. Perdoe-me, pelo que não estou sendo. Perdoe-me.
unico marido que tens e sempre terás.

10:02 PM  

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