(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

quinta-feira, junho 29, 2006

Eros, vento.


"uma imensa aleluia perdida num silêncio sem fim"

Ceci n'est pas un blog. C'est ma chambre.

Certas palavras

Certas palavras não podem ser ditas
em qualquer lugar e hora qualquer.
Estritamente reservadas
para companheiros de confiança,
devem ser sacralmente pronunciadas
em tom muito especial
lá onde a polícia dos adultos
não adivinha nem alcança.

Entretanto são palavras simples:
definem
partes do corpo, movimentos, atos
do viver que só os grandes se permitem
e a nós é defendido por sentença
dos séculos.

E tudo é proibido. Então, falamos.

(Drummond.)

quarta-feira, junho 28, 2006

ceci n'est pas un poème.

se eu enlouquecer, fujo com o circo ou toco violino no metrô de paris.
enlouquecerei deliberadamente.
[a cada dia percebo que meu coração mora nos pés.]

(...)

ontem plantei uma gérbera, extirpei um câncer
dei de comer às esperanças
(na palma das mãos)
e suscitei um problema pra minha coleção.
hoje eu sou prosaica feito uma cumadre
sem afilhado
sem marido vivo ou falecido
tola, banal e sem asas
numa fotografia fora de foco.
ingênua:
com um mundo dentro de outro mundo
em que não há a possiblidade de outros mundos possíveis.
portanto estou indo ralo abaixo no meu próprio ralo
em processo autofágico.
mas amanhã,
ah! amanhã, eu aprendo a lição
e serei então um espelho inteiro e plano
sem distorções
(com sentido e referência).
sem arestas ---
sem o fundo torpe dessa mesma música de anos,
sem os gritos e ruídos dessa indeterminação atonal.

sábado, junho 17, 2006

numa casa vazia sem número e sem rima.

e a lua cheia se esvazia
furada pelo espinho da flor,
o mesmo que fere a _______.


e a noite se mantém neutra
naquele mesmo estado em que não sabemos
se um copo está metade cheio,
ou metade vazio.

quinta-feira, junho 15, 2006

Tereza era. Com uma velha máquina fotográfica, andava por todas as ruas, ruelas e alamedas em busca de imagens de sapatos pendurados pelos cadarços nos fios elétricos da cidade.
Elza seria. Fazia apostas com a repetição e com o acaso: se aquela mosca entrar de novo pela janela, jamais me casarei. se dentro de 3 minutos um moço de casaco azul não passar por mim, entrarei para o convento. se uma porta bater na hora do almoço, faço regime.
Manoel fazia. Todo final de semana ia à rodoviária e sentava-se no terceiro banco da terceira fila da plataforma C, carregando consigo uma viola que nunca era tocada, juntamente com um pacote que era aberto e: olhado como quem garante, e novamente fechado como que assente.
Dinah esteve. Andava sempre de salto-alto e meia-fina nas ruas de paralelepípedos, gostava de viver fortes emoções, e de ser socorrida por estranhos que demonstravam preocupação excessiva com os seus joelhos e a sua meia rasgada no meio das pernas finíssimas de saracura.
Alberto estava. Fazia a digestão do almoço dando 5 voltas no quarteirão de casa, acompanhado do vizinho que só aguentava 3 e ficava esperando no ponto de ônibus ao lado dos estudantes. Fazia a digestão do jantar dando voltas na praça próxima de casa, assoviando sempre o Bolero de Ravel e jogando alpiste às pombas e rolinhas.
José é. Cego, mas insistia em dizer da feiúra das pessoas e da falta de gosto em combinar as cores e texturas. Casado com Telma, surda de nascença e consequentemente muda. O casal se comunicava através de Clóvis, mediador contratado, que sabia braille, linguagem de sinais e Esperanto.
Sônia era-aí. Sofria de insônia e passava madrugadas inteiras costurando e descosturando retalhos numa colcha que só ficaria pronta quando mudasse de nome e se tornasse Neuza.
Clara não era. Ela que sonhava com viagens de navio intercontinentais e viagens de avião interestaduais nada fazia, não era agente nem paciente, professora nem estudante, patroa nem proletária. Clara acaba de receber uma carta sem remetente, com recortes de jornal que diziam ser ela um "néant, uma qualquerzinha, tão inútil e desnecessária quanto uma fábula sem moral."

quarta-feira, junho 14, 2006

a valsa dos rebeldes.


Em Viena há dez mulheres belas.
Há um ombro onde a Morte vem chorar.
Há um átrio com novecentas janelas.
Há uma árvore onde morrem as pombas,
quando já não conseguem voar…

Há um pedaço arrancado à manhã
suspenso na Galeria Gelada…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
apesar da boca amordaçada.

Ah, eu quero, quero, quero ver-te
numa cadeira, lendo um jornal sem cor…
Numa gruta na ponta de um lírio,
num atalho onde não foi o amor…

Numa cama onde a Lua suou,
num grito de areia e pegadas…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
cinge-a pela cintura quebrada…

Esta valsa, esta valsa, esta valsa, esta valsa,
com o seu hálito de brandy e Morte,
arrastando a cauda no mar…

Há uma sala de concerto em Viena,
onde a tua boca mil vezes cantou…
Há um bar onde os jovens se calam
porque o blues à Morte os condenou…

Ah, mas quem ousa escalar o teu retrato
com a coroa de lágrimas que acabou de tecer?
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
há tantos anos que ela anda a morrer…

Há um sótão onde brincam as crianças,
breve lá nos amaremos, tem de ser…
num sonho emoldurado por lanternas húngaras,
na neblina doce de um entardecer…

E verei que à tua tristeza acorrentaste
o teu rebanho e os teus lírios de neve…
Ay… ay ay ay
Aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa,
com um “não te esquecerei, sabes?”, breve.

E dançarei contigo em Viena
e hei-de ir disfarçado de rio,
um jacinto selvagem no ombro,
e minha boca, lenta, bebendo
nas tuas coxas o orvalho frio.

E sepultarei a alma num velho livro
entre o musgo, lembras-te?, e as fotografias…
e à cheia da tua beleza lançarei
o meu violino barato e a cruz
onde me crucifico todos os dias…

E dançando haverás de levar-me
aos lagos que te brotam dos pulsos…
Meu amor, meu amor,
aceita esta valsa, esta valsa, esta valsa…
É tua agora. E é tudo.

Tradução de "Take this Waltz" - Leonard Cohen
[todos os dias, em doses homéricas]

sábado, junho 10, 2006

Vibrato!

tocar como se toca um amante
dispor os ombros e as mãos
ao contato sensível.
com cuidado friccionar o arco sobre as cordas
explorar a música entre as pausas e notas,
a agudez como um grito
certo
que desperta o ouvido surdo.
o timbre que eu esperava
[do meu VALENTÍN.]

Nox et solitudo plenae sunt diabolo.

ela bebe do suco de uva que se pretende vinho e mastiga da hóstia que se pretende cristo. e apontando o dedo indicador (molhado de) na cara pasma de deus, aquele órfão de pais não-nascidos: e da carne se fez o verbo. E DA CARNE SE FEZ O VERBO! - grita arrancando partes de nuvens brancas e despedaçando por entre os dedos (molhados de) aqueles flocos brancos de idealidades. é que não há verbo antes da carne, nem mesmo nuvens antes de se dar com a cara no chão de espinhos, ou se dar com a cara na frente de um espelho inteiro e se ver quebrado, encubismado(sic.) como uma figura de picasso. as nuvem e os céus são a posteriori, e equilibram-se no nada que também comporta fogo e inferno, é a força aguda da crença que supera a força cética da gravidade, e assim flutuam no ar. amarrados um na borda do outro, fui outro dia visitar os céus, d'onde pude estender os braços e com uma tocha roubar um pouco de fogo do inferno, incendiando indelicada as asas de seda guardadas nos armários dos anjos que agora tropeçam nas madrugadas dos bairros sujos e negros "em busca de uma dose violenta de qualquer coisa". anjos caídos na perfídia, agora porteiros das casas-de-luz-vermelha, absortos comedores de papoulas.
ela pura pseudo-diáfana impregnada de mel
transformando carne em verbo,
lê o corpo e estupra o logos,
fode com as palavras
e minuciosamente explora
a hermenêutica do corpo
em cada anjo (de)cadente feito estrela.
(ela inocente, eu juro, inocente!)
enquanto isso, em cada livro que se abre, saltam as feras e os lobos e o que ela quer é entrar pela orelha e apartir daí numa viagem insólita se abrigar no TODO das entranhas ainda não comido pelas traças, costurar-se com um fio narrativo, ter tempo para um romance. do maleiro empoeirado do pai, hoje um lautreamónt gritou e corri pra socorrer, compadecida cheia de segundas intenções. a velha caridade interessada. ah! que você muda de assunto todo o tempo e insiste em irracionalismos, pequenas parcelas do irreal que você toma por real, esses cacos da imaginação que não compõem o mínimo conteúdo inteligível e o átomo ambulante que é a experiência de estar entregue somente a si mesma.
- mas é que eu só acredito no que não vejo! de céu e inferno minha visão está cheia, se vc quer voltar no assunto interior. quer dizer, anterior!
-você que é um átomo pensante que tende ao mais puro nada - do pó viemos e ao pó retornaremos com nossos grandes narizes famintos e decrépitos ansiando ciências cheirosas ou alcalóides puríssimos!
você: nadificando-se no costume de não impor seu mundo que significa pés descalços, cacos de vidro afiados e pequenas caixas de cartas velhas. se ainda se chamasse sofia! como esperar a sorte e exigir bonanças de um nome que revolve paixões e pecados como a ira?
- enquanto isso o Nada nadifica e produz ventos frios que balançam as cortinas de papel-
- e o absurdo abre a sua boca enorme, nos engolindo banguela com o rosto de nossos recém-nascidos (com hálito de vida&leite) e avós (com hálito de morte&formol) -

1,2,3 de Oliveira 4.

hoje, amanhã e a vida toda: enquanto uns querem conquistar o mundo, você se impõe o dever da inutilidade pública e da tragédia privada, se vangloriando por simplesmente conseguir vencer o sono na batalha dessa noite de círculo vicioso sem os lindos objetos dos seus vícios.
(nessa noite de blues & narcose recheada de fantasmas.)

terça-feira, junho 06, 2006

neurose pride.

as cenas mais importantes da sua vida eram apagadas da memória à medida em que sorria-lhes mas chorava-se --- mentia porque rangia os dentes todo o tempo, sentia o gosto da vergonha na sua boca fechada, lá dentro como em um esconderijo. e quando abria, cospia da(r)dos ferinos com maestria, onde o acaso ditava as regras: ou o interlocutor levaria na testa, ou pegaria no ar e lançaria de volta, ou o dado cairia no número 3 e então sairíam satisfeitos e reconciliados em um raríssimo silêncio de cumplicidade. seu castigo então - pela comunicação sôfrega e atravessada, herdada do pai que ironicamente era um comunicólogo - era a perda da memória ["É preciso que eu não esqueça, pensei, que fui feliz, que estou sendo feliz mais do que se pode ser. Mas esqueci, sempre esqueci.”] diretamente proporcional à sua falta de confiança no mundo, e o tratamento de choque que merecem os medrosos, com suas ambições grandes e gordas, mas que não ousam atravessar a rua e disfarçam o fato com uma mis-en-scène interminável no meio-fio. o tratamento mais pesado que a doença, a cura mais maldosa que o sintoma, a anestesia mais longa que a cicatriz feita com pontos à mão, quase de cruz. tratamento obrigatório-compulsório indicado para o problema de: pensar A-dizer B-entenderem C.
tratamento desumano para desintoxicação de metáforas, interditos e entrelinhas.