(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

terça-feira, agosto 30, 2005

voluntarismo:

minha coleção de pessoas -
perdi!

Como John Cage, que jogava I-Ching durante as apresentações.

O livro que estava sobre a mesa do computador era "Poemas e cartas a um jovem poeta", do Rilke, provavelmente ali deixado pelo meu irmão. Como sempre, concentrei-me e abri ao acaso uma página . Porque sim, porque esse é o oráculo a que recorro.

"(...)Uma só coisa é necessária; a solidão, a grande solidão íntima. Caminhar em si mesmo e, durante horas, não encontrar ninguém - é a isto que é preciso chegar. Estar solitário - como a criança está só quando os adultos se agitam, ocupados com coisas que lhe parecem enormes e importantes pelo simples fato de preocuparem os adultos e ela nada compreender do que estes fazem. No dia em que percebemos que essas preocupações são estéreis e mesquinhas, essas ocupações sem relação real com a existência, como não continuar a considerá-las uma coisa estranha, tal como a criança do âmago do seu cosmo, do fundo da sua grande solidão, que é, afinal, labor, aprendizagem, conhecimento? Para quê substituir o sensato "não-compreender" da criança por luta e desprezo, se não compreender é aceitar a solidão - se lutar e desprezar são duas modalidades de tomar parte nas próprias coisas que desejamos ignorar? Aplique, prezado senhor, os seus raciocínios ao cosmo que traz dentro de si e dê o nome que entender a esses pensamentos. Mas, quer se trate de lembranças da sua infância ou da necessidade apaixonada de se realizar, concentre-se sobre tudo o que brotar em si, dando-lhe primazia sobre tudo o que observar ao seu redor. Os seus "acontecimentos" interiores merecem todo o seu afeto. Deve, vamos dizer, trabalhar para eles, sem perder muito tempo nem demasiada força para esclarecer suas relações com os outros. (...)"

Me sinto até o próprio Kappus, e esta, a doce resposta entregue pelo carteiro, especialmente endereçada à mim.

segunda-feira, agosto 29, 2005

aviso.

sempre me metendo em cirandas drummondianas.
sou o que vem antes daquele que não amava ninguém.
(Joaquim que amava Lili que não amava ninguém)
pesquisem o que sucedeu a Joaquim.
(ao menos não sou a que vai ao convento)

ficção.

confesso que nunca entendi nada. nunca entendi sobre o que se faz por aí: nos ônibus, nos bancos, nas filas, nas salas. confesso que sempre fingi saber, confesso que fingi todo o meu interesse. é tudo uma questão de fé. acreditar em mim é uma questão de fé, devo meter-me em auto-culpabilidade? a responsabilidade é toda do que crê em mim. mas se finge crer, como eu, não há porque me detestar, há de ser feliz. escolham entre a ciência, a religião, a palavra! porque eu escolho a palavra, porque palavra é o muro através do qual eu me escondo antes de levantar vôo (os outros dois não me permitiriam, mas consolariam, coisa de que fujo). mas antes, um lamento e outra confissão: ela também muito me engana, faz-se de rogada, quando logo depois embeleza-se frívola e entra num carro qualquer, cuspindo reticências pela janela aberta.
e parte...

domingo, agosto 28, 2005

lume.

Ai de mim, que a ferida é mais funda e o guarda-chuva é furado - de feridas feitas por flechas sem procedência.
Quem se atrever, que aceite o silêncio, minha letra torta e inclinada - com inclinações ao anacronismo.
Dizem que a nova tendência é o fluxo de consciência, eu assumo todo o refluxo - ou o movimento de maré vazante.
Ai de mim, que tenho preferido bailes de terceira idade à todas essas luzes e logros.
Sobretudo bordar com capilares sanguíneos uma cortina que espante toda a claridade, e tudo o que não for pulso.
A não ser quando bacantes rangem feito onças, plangendo o indizível, esperneando o fado. A não ser quando agarradas a esqueletos, dançam nuas celebrando o trágico.

quarta-feira, agosto 24, 2005

18 margaridas, 37 hortências, 4 begônias, 19 crisântemos, 20 violetas, 13 rosas, 1 lírio.

se acaso te esconderes
atrás de
tulipas ensolaradas
eu fingirei percorrer
um jardim
de magnólias
e mastigarei
pétala
por pétala
acreditando cega
que ser pródigo
é o que resta
de mais nobre
encanto.

terça-feira, agosto 23, 2005

Primeiro e último registro explicitamente auto-biográfico neste espaço.

Desabafo prosaico: Mamãe e papai quando ainda casados, mantinham coleções de livros e vinis. Juntos compraram a coleção inteira dos Pensadores, aquela, de 1978. Muito tempo depois, se separaram. Mamãe manteve a guarda dos filhos e papai foi embora. (não entrarei em detalhes). Mamãe e seus 2 filhos mudavam sempre de casa, umas vezes por necessidade e outras por mero capricho, creio que uma certa nostalgia nômade. Memória atávica, já que temos o sangue árabe. Tais mudanças eram sempre trabalhosas, visto a quantidade de livros que eram mantidos de posse da pequena família. Eram caixas e mais caixas de livros. Parênteses: Quando pequena, me lembro do tal "Jogo da Amarelinha" na estante do quarto, e achava tanta graça em um livro com um nome desses. "Mas como? Jogo da Amarelinha?". Mal sabia eu que depois seria lisonjeiramente capturada por este. O meu kibbutz. Da mesma forma Florbela Espanca, como pode alguém ser violentada pelo próprio nome? Hoje me acostumei, e penso que não poderia haver nome melhor pra essa mulher. Fecha parênteses. E era isso o que mais dava trabalho nas mudanças: esvaziar as estantes, colocar nas caixas, esvaziar as caixas, colocar nas estantes. Por conta de uns problemas de saúde da mãe-eminência, fomos obrigados a ficar um tempo na casa da minha avó, e conosco foram as caixas de livros. Depois de recuperada, mamãe e seus 2 filhos e os livros mudaram para um apartamento. E depois pra outro. E depois pra outro. E depois pra outro. Somados, os filhos e as caixas de livros constituíam um peso muito grande pra essa vida de mudanças da mãe, sozinha e tão pequena. Como não podia abrir mão dos filhos, num acesso de loucura e irreflexão e insensatez e irresponsabilidade e inconsequencia inclassificável, fez aquilo que seria o maior erro de sua vida: deu, presenteou, doou, ofertou ao seu irmão toda a coleção Os pensadores, aquela, de 1978. Tal fato ocorreu exatamente um ano antes do seu filho mais velho iniciar-se no curso de filosofia, e 3 anos antes da sua filha mais nova seguir o mesmo caminho. (pra desgraça da mãe, que desenvolveu uma terrível antipatia pela filosofia, por conta das conversas travadas entre seus dois filhos, onde ela se sente excluída) Hoje a mãe morre de culpa e admite a falta, embora não tenha coragem de pedir de volta a coleção, que está lá, imponente na estante do irmão, que acredita em mônadas. E os dois deserdados sofrem calados. O filho tem vergonha de pedir emprestado quando necessita de algum volume. A filha-eu, sem pudores como sou, numa afirmação implícita de que não abrirei mão do que me é de direito, pego emprestado todo semestre alguns volumes. A pilha cresce aqui em casa. O irmão que não cultiva apegos, adverte: cuidado.
Hoje apareci no território inimigo de surpresa, fui resgatar Kant e Hegel. O tio desconfiado e perspicaz diz com ares de graça: "Só está levando aos pouquinhos, hein! (...) Essa coleção já foi da sua mãe, e blablabla...". Mantive a seriedade e uma face desinteressada - nem pedi que me fosse deixado de herança - dirigi-me à estante, e calada com ares de locatária fiz parecer só mais um empréstimo, enquanto ele entregava-se ao papel de um dândi de biblioteca.

quinta-feira, agosto 18, 2005

do caos ao cosmo, do cosmo ao caos: engano.

pateticamente platônica.
peripateticamente a cabeça (a)baixa. os olhos fecham. a boca cala.
num caminho todo feito de atalhos que se estreitam, o andarilho distrai as feras.
desfere os galhos, pula por sobre as pedras como num jogo da amarelinha. faz o caminho inverso, do céu ao inferno. ao inferno sub-cutâneo, pessoal. um caminho entrecortado, cheio de pausas e distrações servis. circunstâncias que o levam pra longe dali, que são agradecidas/abençoadas/consentidas. mas breve irrompe um grito, outro entre 500, e é preciso voltar a jogar. número 2 --> pisou na linha--> 1 rodada perde a vez-->volte 15 casas.
e volta tentando outra estratégia. dessa vez até o céu, já que percebe o inferno: o próprio caminho: as feras, os galhos, as pedras. "até o céu", diz. faz de um galho uma bengala, faz das pedras amuletos, amansa as feras com restos de comida guardados nos bolsos, as migalhas.
com seu sangue mensal faz pinturas tribais no corpo. que venha a guerra.
"até o céu", diz. é preciso voltar a jogar. a pedra do jogo da amarelinha cai além da inscrição CÉU, ele segue pulando até ali, além do céu. passa pelo inferno, pelos números, pula o céu e. não deveria. as regras eram claras, mas achou que tinha asas. lembrou-se de ícaro.
e volta tentando outra estratégia. lembrou-se de sísifo.
"pode ser que sem céu e inferno", ainda.

quarta-feira, agosto 17, 2005

quando o carnaval chegar.

"Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar"

Chico B.

terça-feira, agosto 16, 2005

pensar andando. andar pensando. devagar. divagar.

quando éramos românticos-novos, nossas poesias eram salpicadas de
lúgubre, fétido, pálido, lânguido, cálido.
é que queríamos ser como augusto.
hoje que somos velhos-desacreditados, elas se encerram no
surto, árido, magro, trôpego e seco.
é que precisamos de receita médica.
(para os psicotrópicos.)

sábado, agosto 13, 2005

os anéis nos falsos dedos.

meu medo é nunca conseguir me livrar das tramas do EU e pra sempre manter-me presa às próprias ilusões. aos véus subjetivos. às mentiras pessoais. à super-valorização de algo tão abstrato e escuro mas que se torna sedutor pelos paradoxos esquizofrênicos e paixões perversas. o velho porto-seguro de nos sentirmos personagens de tragédias, a defesa que nos cega e impede que façamos parte, impede que sejamos diluídos através da verdade de não sermos nada especiais. o que se espera: sólidos problemas diluídos em solução aquosa, diluídos na idéia de que nossos desejos não passam de meias-verdades, caprichos de uma lacuna presunçosa.

quinta-feira, agosto 04, 2005

Ideograma.



Lista de coisas que fazem o coração bater mais forte

Beijada por um amante no Jardim de Matso Tiasha
águas tranqüilas e águas agitadas
Amor numa tarde imitando a história
amor antes e depois
Carne e escrivaninha
escrevendo sobre o amor.

Fala de Nagiko na última seqüência de "O livro de cabeceira" --- como me disse Cláudia em uma de suas deliciosas cartas : "A imigrante japonesa que fazia dos corpos de seus amantes as páginas de seus livros."

eu tenho pressa. muita pressa. uma pressa absurdamente positiva.

segunda-feira, agosto 01, 2005

Tout ce qui nous émeut, tu le partages.
Mais ce qui t'arrive, nous l'ignorons.
Il faudrait être cent papillons
pour lire toutes tes pages.

Il y en a d'entre vous qui sont comme des dictionnaires;
ceux qui les cueillent
ont envie de faire relier toutes ces feuilles.
Moi, jáime les roses épistolaires.

Rilke

Para meu querido amigo Gui.