voluntarismo:
minha coleção de pessoas -
perdi!
Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.
O livro que estava sobre a mesa do computador era "Poemas e cartas a um jovem poeta", do Rilke, provavelmente ali deixado pelo meu irmão. Como sempre, concentrei-me e abri ao acaso uma página . Porque sim, porque esse é o oráculo a que recorro.
sempre me metendo em cirandas drummondianas.
confesso que nunca entendi nada. nunca entendi sobre o que se faz por aí: nos ônibus, nos bancos, nas filas, nas salas. confesso que sempre fingi saber, confesso que fingi todo o meu interesse. é tudo uma questão de fé. acreditar em mim é uma questão de fé, devo meter-me em auto-culpabilidade? a responsabilidade é toda do que crê em mim. mas se finge crer, como eu, não há porque me detestar, há de ser feliz. escolham entre a ciência, a religião, a palavra! porque eu escolho a palavra, porque palavra é o muro através do qual eu me escondo antes de levantar vôo (os outros dois não me permitiriam, mas consolariam, coisa de que fujo). mas antes, um lamento e outra confissão: ela também muito me engana, faz-se de rogada, quando logo depois embeleza-se frívola e entra num carro qualquer, cuspindo reticências pela janela aberta.
Ai de mim, que a ferida é mais funda e o guarda-chuva é furado - de feridas feitas por flechas sem procedência.
Desabafo prosaico: Mamãe e papai quando ainda casados, mantinham coleções de livros e vinis. Juntos compraram a coleção inteira dos Pensadores, aquela, de 1978. Muito tempo depois, se separaram. Mamãe manteve a guarda dos filhos e papai foi embora. (não entrarei em detalhes). Mamãe e seus 2 filhos mudavam sempre de casa, umas vezes por necessidade e outras por mero capricho, creio que uma certa nostalgia nômade. Memória atávica, já que temos o sangue árabe. Tais mudanças eram sempre trabalhosas, visto a quantidade de livros que eram mantidos de posse da pequena família. Eram caixas e mais caixas de livros. Parênteses: Quando pequena, me lembro do tal "Jogo da Amarelinha" na estante do quarto, e achava tanta graça em um livro com um nome desses. "Mas como? Jogo da Amarelinha?". Mal sabia eu que depois seria lisonjeiramente capturada por este. O meu kibbutz. Da mesma forma Florbela Espanca, como pode alguém ser violentada pelo próprio nome? Hoje me acostumei, e penso que não poderia haver nome melhor pra essa mulher. Fecha parênteses. E era isso o que mais dava trabalho nas mudanças: esvaziar as estantes, colocar nas caixas, esvaziar as caixas, colocar nas estantes. Por conta de uns problemas de saúde da mãe-eminência, fomos obrigados a ficar um tempo na casa da minha avó, e conosco foram as caixas de livros. Depois de recuperada, mamãe e seus 2 filhos e os livros mudaram para um apartamento. E depois pra outro. E depois pra outro. E depois pra outro. Somados, os filhos e as caixas de livros constituíam um peso muito grande pra essa vida de mudanças da mãe, sozinha e tão pequena. Como não podia abrir mão dos filhos, num acesso de loucura e irreflexão e insensatez e irresponsabilidade e inconsequencia inclassificável, fez aquilo que seria o maior erro de sua vida: deu, presenteou, doou, ofertou ao seu irmão toda a coleção Os pensadores, aquela, de 1978. Tal fato ocorreu exatamente um ano antes do seu filho mais velho iniciar-se no curso de filosofia, e 3 anos antes da sua filha mais nova seguir o mesmo caminho. (pra desgraça da mãe, que desenvolveu uma terrível antipatia pela filosofia, por conta das conversas travadas entre seus dois filhos, onde ela se sente excluída) Hoje a mãe morre de culpa e admite a falta, embora não tenha coragem de pedir de volta a coleção, que está lá, imponente na estante do irmão, que acredita em mônadas. E os dois deserdados sofrem calados. O filho tem vergonha de pedir emprestado quando necessita de algum volume. A filha-eu, sem pudores como sou, numa afirmação implícita de que não abrirei mão do que me é de direito, pego emprestado todo semestre alguns volumes. A pilha cresce aqui em casa. O irmão que não cultiva apegos, adverte: cuidado.
pateticamente platônica.
"Quem me vê sempre parado, distante
Garante que eu não sei sambar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tô só vendo, sabendo, sentindo, escutando
E não posso falar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo as pernas de louça da moça que passa e não posso pegar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Há quanto tempo desejo seu beijo
Molhado de maracujá
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me ofende, humilhando, pisando, pensando
Que eu vou aturar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
E quem me vê apanhando da vida duvida que eu vá revidar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu vejo a barra do dia surgindo, pedindo pra gente cantar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar
Eu tenho tanta alegria, adiada, abafada, quem dera gritar
Tou me guardando pra quando o carnaval chegar"
Chico B.
quando éramos românticos-novos, nossas poesias eram salpicadas de
meu medo é nunca conseguir me livrar das tramas do EU e pra sempre manter-me presa às próprias ilusões. aos véus subjetivos. às mentiras pessoais. à super-valorização de algo tão abstrato e escuro mas que se torna sedutor pelos paradoxos esquizofrênicos e paixões perversas. o velho porto-seguro de nos sentirmos personagens de tragédias, a defesa que nos cega e impede que façamos parte, impede que sejamos diluídos através da verdade de não sermos nada especiais. o que se espera: sólidos problemas diluídos em solução aquosa, diluídos na idéia de que nossos desejos não passam de meias-verdades, caprichos de uma lacuna presunçosa.
Tout ce qui nous émeut, tu le partages.