(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

terça-feira, novembro 29, 2005

ofertar-se.

Parece tão pequeno, de caber
no canto das unhas
encolhido
debaixo da língua
entre os sulcos e pregas
na ferida da boca seca.
Parece tão pequeno, sem saber
que pode vir-a-ser
um monstro
uma galáxia com milhões de sóis
um oceano engolindo continentes
um vento que arrasa e espalha o fogo
nas cabanas de palha, na precariedade
velha de se esconder do mundo.
só queria desenterrar o amor
que sepultei vivo entre terra e céu
[em mim]
e que volta e meia,
à meia-noite ouço gritar.

domingo, novembro 27, 2005

contra toda piada cósmica

segundo o gui
estou a perder a delicadeza,
e entrando cada vez mais no mundo do crime.
respondo que agora do cano do meu revólver saem apenas haikus,
que transcendem toda a dualidade da velha fórmula x & y --- sou zen:

O velho tanque -
Uma rã mergulha,
barulho de água.

Bashô

sábado, novembro 26, 2005

pergunte ao pó

Catarina era faceira, improvável, criava cactus na janela da sala . Vê-se de antemão por seu nome: Ca-ta-ri-na, que era mesmo uma gostosa. Era justa, justíssima. Distribuia igualmente, repito: igualmente, a parte do bolo que cabia à cada um: um pedaço de menosprezo pra você, outro pra você, outro pra você. Aviltamento, um pra você, outro pra ele, e assim por diante. Tudo muito bem dividido. repito: justa.
Catarina mentia o nome : prazer, Valentina. Mantendo é claro a (de)terminação de tudo o que é vicioso e condenável - a sua cara - o nariz sempre sujo de cocaína, os dentes amarelos de cafeína e a voz rouca da nicotina, o olhar sempre perdido em sua garota: Marina.
Valentina, digo, Catarina, em seus momentos de bad trip - nunca queiram vê-la sob tais efeitos, os dentes rangendo de quase leoa, como quem quer arrancar as suas veias e fazer com elas um cachecol sangrento. Aquela vaca, que se esquenta na agressão e intimidação alheia.
De olhos fechados, Catarina e o amor em sístole, diástole, sístole, diástole - contraír-se, dilatar-se - dizia, os movimentos mais importantes, até que as aurículas e os ventrículos um dia se cansem, "eu nem queria mesmo", suponho o que ela diria ao coração parado, ou à burra rejeição de uma amante. Catarina, a Valentina valente, petulante, e repito, gostosíssima. Uma pena o seu gosto exagerado por pimenta, sempre destruiu todos os jantares que oferecia, ficávamos vermelhos, pasmos e suados, espalhados em seus tapetes antigos, herança da avó.
Catarina um dia nos expulsou de seu apartamento, segundo ela "não tinha tempo pra pouca coisa" e então ficou trancada durante 15 dias, quebrando pratos, copos, e observando a degeneração das flores que não regava. A matéria e a forma da flor, conformam-se noutro lugar? Degrada-se a matéria, degrada-se a forma? E iam se despetalando, fenecendo, enfeiando, fedendo. Desenformando-se, a flor em devir. Flores de plástico são só forma de flor, concluiu, e então mandou uma flor de plástico para cada inimigo (mantenho a minha na cabeceira da cama), com o desconexo bilhete:

sexta-feira, novembro 25, 2005

borderline? - não, são as moiras.


não há como manter a dureza
(não quero)
o olhar horizontal
que sai de um olho e entra em outro
como flecha
liberto-me na opção de fechá-los,
como quem fecha as janelas ao frio
do ressentir.
.
prefiro os dedos à sorte
aos dedos na cara
(da sombra ou da morte)
a água molhando-me o rosto
afastando da cara, o tapa
expondo-me ao vento e
ao sopro úmido na noite.
.
simples como
música
sem nenhum arranjo .
.
.
.
.
.
mas o que me redime:
as sementes de anis,
guardadas nos bolsos
dentro dos travesseiros
penduradas num cordão
- por entre a curva dos seios -

quinta-feira, novembro 24, 2005

expressionar-se

quarta-feira, novembro 23, 2005

"odium fati"

À elas, só a repulsa dessas mulheres que ficam todo o tempo de suas vidas arrastando os chinelos pelas esquinas, à caminho do barranco mais próximo que proporcionará enfim, a sonhada torção no pé. as auto-comiserativas-passivas. aquelas às quais você cede o seu lugar para que se sentem, aquelas que suscitam em você a tão esperada compaixão. "tende piedade de nós" - é o coro rouco (ou o corpo manco) que grita, ainda que vindo de uma só mulher. arrastam seus chinelos com as pálpebras caídas e os suspiros de um semi-morto.
E quanto à eles? meu outro lado da repulsa, à todos os homens que inflam o peito e inseguros andam com as mãos fechadas e os punhos rígidos de medo. que fazem de seus "falos em riste" o troféu que lhes foi negado na infância, e das mulheres que cruzam seus caminhos uma puta em potencial sempre, sempre fodível. repulsa à esses homens que riem de suas próprias piadas, e enfiam os dedos sujos em "suas mulheres" como se. como se. por certo, não há conclusão, elas nunca hão de sentir prazer com esses vossos dedos sujos, autômatos.
E quanto à mim? sim, hoje também é o dia da repulsa pessoal, da participação total na idéia da hiena pessimista. a tal hiena, que não hesita ao enfiar seus dedos tristes em mim, soprando negrumes ao pé do ouvido, e inevitavelmente fazendo despertar a desgraça do sentimento de des-existir.
"A minha vida é como se me batessem com ela."

Mas dispenso a compaixão do outro, pois se hoje me odeio, faço-lhes um convite para que me odeies também.

segunda-feira, novembro 21, 2005

en portugais: nunca real, sempre verdadeiro. ou: não é para nenhum de vós, pólos positivos.

cena 1:
na escada, a cismar, olha pr'os pés, os sapatos sujos de lama.
cena 2:
levanta-se e propositalmente suja de um extremo a outro, o corredor.
cena 3:
o olhar, sujo de sono, é ofertado tão-somente ao chão.
cena 4:
vêm-lhe à mente a palavra gaudério : cão vadio.
cena 5:
resta-lhe voltar a cismar : a velha guerra entre párias e dândis - ontem a compaixão pelo índio massacrado, hoje a frieza de um facínora.
cena 6:
aparada pela parede de pedra, os joelhos se dobram bambos em brincadeira de fingir "a queda", em sérios resmungos: à merda - elevada matematicamente ao máximo expoente - com a vossa insídia, em nome da insipidez e abstração do que dizes a "realidade verdadeira".
vossa realissíssima verdade insossa; sim, és coerente em preferir as fórmulas, admito. coerente com o vosso desejo de eficácia, efetividade, ou ainda, com O Funcional. sim, em maiúsculas. (eu que sou minúscula como as palavras que escapam ao adestramento, baldia ou traiçoeira - mentirosa? - como um gato de rua, mas que ama parênteses que protegem ao contato de vossas brilhantes conclusões!). oh! como poderia ficar recostada nessa parede de pedra, cravando as unhas com raiva entre as frestas! rindo, sim, gar-ga-lhan-do desse seu avesso-do-avesso-do-avesso-do-avesso-do. avesso? sim, o que se segue de toda crítica diletante.
cena 7:
o esboço de um sorriso, não abrindo mão da escolha e do desprezo que range feito porta antes de bater, na cara.
cena 8:
na cara da idiotia.

domingo, novembro 20, 2005

diametralmente opostos

eu e você:
antípodas.

segunda-feira, novembro 14, 2005

d'um vidro hermeticamente fechado, cheio de insetos.

não ouço mais cigarras, quer dizer, o canto.
sigo os escaravelhos, velhos de tanto navegar
no tempo e nas arestas - das histórias
assim, fez-se nada - mentira - fez-se nódoa
(a página virada)

a nudez do quarto e o corpo vestido
vestido de mácula, o abutre comendo o fígado
f-a-m-i-g-e-r-a-d-o
2 corpos vestidos de cinza e os lençóis secos:
terra improdutiva.

desfaz-se o plexo. sinto, querido.
sou o que prometeu e não cumpriu,
e por isso pago a pena, e cumpro o exílio fora
do tempo,

ainda que me percebas em cena.

sexta-feira, novembro 11, 2005

gritar nos ouvidos do inefável.

ser o que não sabe o que se é.
saber simplesmente que na indefinição, mora o acaso.
é - que não é cópula,
mas cúpula,
(a sozinhês do ser) .

d'um relicário


Caravelas

Cheguei a meio da vida já cansada
De tanto caminhar! Já me perdi!
Dum estranho país que nunca vi
Sou neste mundo imenso a exilada.

Tanto tenho aprendido e não sei nada.
E as torres de marfim que construí
Em trágica loucura as destruí
Por minhas próprias mãos de malfadada!

Se eu sempre fui assim este Mar-Morto,
Mar sem marés, sem vagas e sem porto
Onde velas de sonhos se rasgaram.

Caravelas doiradas a bailar...
Ai, quem me dera as que eu deitei ao Mar!
As que eu lancei à vida, e não voltaram!...


Florbela Espanca

terça-feira, novembro 08, 2005

ainda assim, sendo.

A dúvida que me toma pela mão
e conduz-me à sombra.
sendo assim:
- Respiro com sombra de dúvidas.

A certeza, a certeza?
fugidia.
é o Coelho Branco de Alice:
- Tenho pressa! Tenho pressa!
sendo assim:
- Só no País das Maravilhas?

A razão,
esta me toma pela mão, faz-me sentar
meditativa [à sombra]
e pede carícias:
- Como um cão!

segunda-feira, novembro 07, 2005

la fábula del lago de los cisnes

quando se está silente, mas ao mesmo tempo leve e eminente, és como um cisne selvagem, que dormita pelas águas calmas, cheio de si. digno de uma bela pintura em papel de arroz, paisagem que ocupará no mínimo, as paredes de uma casa chinesa qualquer. uma casa onde os moradores são como animais garbosos e inaudíveis uns para os outros; seguem o exemplo do cisne selvagem que faz de cada movimento uma mistura de intencionalidade e um deixar-se levar pelo curso das águas. orientam-se retamente, esses orientais, que conservam a plumagem branca de seus cisnes em seus gestos, em suas belas pinturas feitas em papel de arroz.
de plumagem preta é o meu cisne selvagem, que dormita pelas águas turvas, cheio de si. também silente, mas de um peso que o faz perder a maestria no domínio das águas, que o levam a contragosto, à frente, o empurram à margem do curso. meu cisne selvagem que se precipita e frustra toda idéia oriental de organismo, na assimetria e desalinho com o curso das águas. todo o seu navegar inebriado, o faz perder a imponência frente ao lindo cisne de plumagens brancas, que parecendo ser eterno, posa como o em-si do que chamam mesura.
ao cisne negro, minha alegoria de navegar errante, presto homenagens, pois ainda que nem exemplar, nem apoteótico - diferentemente do cisne branco e alinhado - ele imerge nas águas turvas, desmesuradamente negro, apoderando-se da imensidão que o empurra, percebendo ao mesmo tempo ser essa água brava e poderosa, o violento e verdadeiro SIM que o sustenta.

terça-feira, novembro 01, 2005

auto-retrato
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"Humano" contém em si humus,
o latim para 'terra'.