eu abismo, entre a substância e a ignorância desmedida de não saber começar nada. finalizo muito bem. tranco, jogo as chaves fora, esqueço e escondo sem nunca mais. espio a roda da fortuna por pura rebeldia juvenil, mesmo que as moiras puxem meus cabelos e cortem minhas penas e escamas e minha pele, os fios por favor, continuem tecendo, em fios de cor que eu me rendo à fatalidade de estar presa nesse círculo despudorado onde existem lados que além de tudo não são iguais.
"Um outro dia, embaixo de chuva, esperamos o barco à beira de um lago; a mesma lufada de aniquilamento me atinge, desta vez por felicidade. Assim, às vezes, a infelicidade ou a alegria desabam sobre mim, sem nenhum tumulto posterior: nenhum outro sofrimento: estou dissolvido, e não em pedaços; caio, escorro, derreto. Este pensamento levemente tocado, experimentado, tateado(como se tateia a água com o pé) pode voltar. Ele nada tem de solene. É exatamente a doçura.
(...)
Rua do Cherche-Midi, depois de uma noite difícil, X...me explicava claramente, com voz precisa, frases formadas, sem qualquer incoerência, que às vezes tinha vontade de desmaiar; lamentava não poder nunca desaparecer quando tivesse vontade. Suas palavras diziam que ele assumia sucumbir a sua fraqueza, não resistir às feridas que o mundo lhe faz; mas ao mesmo tempo, substituía a essa força enfraquecedora, uma outra força, uma outra afirmação: assumo ao contrário de tudo e contra tudo uma recusa de coragem, uma recusa portanto de moral: é o que dizia a voz de X..."
R. Barthes