(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

sexta-feira, julho 29, 2005

e a calma é recheio de esquecimento.

eu remonto

2 travesseiros, um para a cabeça outro pra ausência. 1 cama, para o esquecimento, a morte temporária. 1 cadeira, para as roupas sujas e a toalha molhada. 1 mesa, para os livros e papéis empoeirados rabiscados cheios de sim e de não. 1 abajour, que ilumina a sombra e faz doer mas que invade com menos intensidade os recalques e as mentiras. 1 penteadeira antiga com espelho deformador, para distorções e conclusões cabais a respeito da imagem, para comportar objetos denunciadores e de importância afetiva. 1 cômoda, para as roupas velhas amassadas, os filmes que prestam com os que não prestam, os cd´s que despertam, as músicas que destroem, caminho pra fuga máxima ou a concentração necessária. 1 TV que poderia ser a moldura para uma pintura na tela sempre apagada. 1 porta que abre e fecha e bate numa velocidade imensa, campo de força que não permite entrada de coisas, que não permite saída de outras, cheia de poeira invisível, registro de definições. 4 paredes, todas brancas, todas tatuadas, todas marcadas, por vezes compadecidas, sempre testemunhas, absorção de prazer e ira, os olhos daquilo que me preserva: daquilo que me conserva reclusa.

quarta-feira, julho 27, 2005

devoção.

a música
feita de pingos de chuva
deságua inteira em mim.
estrato de flama-viva
queima sem ferir.
feita de finos retalhos
veste a dança muda.
a música
veste a dança muda
feita de finos retalhos.
queima sem ferir
estrato de flama-viva.
deságua inteira em mim
feita de pingos de chuva.
a música

domingo, julho 24, 2005

Quereres da meia-noite:

1)uma carne que se esfrega incansavelmente em outra
2)uma barba que rasgue as maçãs do meu rosto
3)desvendar os mistérios da Patafísica

sábado, julho 23, 2005

Plataforma A.

é que,
eu preciso abandonar as metáforas
arrancar o véu
que disfarça minhas intenções
tão devassas, secretas
de feras, de anjos caídos
de baixa capacidade
analítica.
e dessa forma,
aumentar a capacidade
sensorial,
que me leve até
o limiar daquilo que deixa de
se contaminar
verbal.

decifra-me ou devoro-te.

ela dizia que se sentava no asfalto pra esperar, porque já tinha se acostumado, desde pequena quando contaram-lhe a história de um tal godot. tinha se acostumado a esperar estóica e resignada. ela dizia que quando caminhava pelas ruas vazias, pisava fundo no chão, até que nele abrisse um buraco e abalasse a estrutura de todo tipo de obstáculo ao redor. ela dizia que era difícil ser criança, mulher, menina, senhora, era difícil andar reta era difícil andar firme e manter, era difícil se manter a mesma. a mesma menina de sempre. era tão difícil que ao chegar em casa ela tirava a máscara na entrada, como tiram os orientais os seus sapatos. pendurava as armaduras e o olhar seguro no cabide atrás da porta, e caminhava exausta até o sofá de veludo rosa, onde repousava os olhos e gemia como um cão sedento.
ele dizia que caminhava pelas ruas pra negar a imobilidade, como quem finge pra si mesmo que nunca espera, mas que sempre é aquele que chega. e pisava leve na grama de pés descalços sem pensar em nada e sem olhar pro lado, como que não sente medo. ele era a pura paciência, não se despia de nada ao entrar em casa, apenas deixava as chaves na mesa de canto da sala. não se orgulhava dos seus rituais, nem via grandeza de espírito na introspecção voluntária. era do tipo que ligava o abajour e fazia de conta que suas gotas homeopáticas eram psicotrópicos, pouco antes de dormir.
eram vizinhos do mesmo andar, dividiam a mesma parede, com baixo isolamento acústico.
ela ouvia tangos e boleros passionais, acreditando ser a florbela espanca pós-moderna, coitada! (além de alimentar em si o puro embate do orgânico contra o sintético).
ele música clássica, sem o mínimo pudor e culpa por misturar chopin à agua e ao sabão, enquanto lavava os pratos de um jantar que dera na noite anterior, um jantar de fumaças e insinuações. o que era pra ter sido uma orgia alimentar se transformara numa orgia de gritos e sussurros. gritos e sussurros que ela acompanhou desde o começo grudando os ouvidos na parede compartilhada, de baixo isolamento acústico. acompanhou como se fosse uma história infantil contada antes de dormir, as imagens - ah! as imagens! - eram inteiramente por sua conta. imaginava narizes, somente narizes e olhos, imaginava pessoas pisando nas costas das outras e marcas de cigarro na pele de todos, de todas. se imaginava deitada de costas no tapete da sala caso houvesse lá um tapete- de fato não sabia do chão duro que a esperava se estivesse mesmo ali - se imaginava dessa forma enquanto iam deitando um por um sobre seu corpo magro. e ela ia perdendo o ar, perdendo o ar, mas calada e perdida e feliz em meio ao roxo que ia tomando seu corpo(como quando se afunda um pincel com tinta numa água límpida), até que morresse, até que saíssem de cima, até que todos a vestissem e soprassem fumaça - também felizes - em sua cara mansa (de morte bem-vinda).
Mas ele não era nada grave, e sim a pura recusa, a pura indiferença ao drama e aos apelos de quem berra.

segunda-feira, julho 18, 2005

Porque ele parou e me disse tudo isto, não compreendi. Disse que suas cartas pareciam sujas de algo que ele não conhecia, mas queria experimentar, ao sabor daquilo que eu escondi dele, tudo tem contido nisso um perigo, mesmo sem ainda poder compreendê-lo. O que vem no final nem sempre é verdade, mas com certeza é um gozo. Gozo a palavra na boca, igual o amargo do morango na ponta da língua, é bom mas não sustento.

Agora, uma sensação apenas - juntei o sofrimento de Wherter com a ignorância de Alberto e parí uma filha louca de Carlota.

Dela.

sexta-feira, julho 15, 2005

et puis je fume.

o dia não clareia e eu também. os códigos que vão por água abaixo, meus cálculos sem precisão. meus cálculos sem precisão. meus cálculos mal feitos, a lentidão a noite que arranca pedaços de pele do meus punhos e meus olhos esquecidos pasmos. pasmos. a matemática de fórmulas falhas e toda a merda corpos suados em êxtase. toda a merda de corpos suados em êxtase em saliva em choque de sorrisos. precisa clarear pra eu ir embora. sempre chego em casa com o sol invasivo. num ponto de ônibus provavelmente com um cachorro e uma velha com sacolas de supermercado, sufoca-te com a sacola de supermercado. sufoca-te.
os cálculos, devem ter mexido nas minhas fórmulas, alguém. e sei quem foi.
a porra da equação e a reta assíntota que tende a zero, tende a zero, tende a zero, mas nunca.

{perdi a voz e o resto de açucar [cultivado(amor)] que carregava nos bolsos para qualquer eventualidade.}

quarta-feira, julho 13, 2005

infante


Depois de procurar o caderno por todos os cantos do quarto todas as gavetas todas as portas e frestas. Abandonado e desescrito, cheio de sombras de palavras, vestígios de vontades e letras ao avesso. Meu (caderno) que foi filtrado pelo rigor e pela falsa elegância a ponto de só sobrarem magras virgulas, como se estas se bastassem ou fossem as únicas a cumprir as exigências- nojentas. Recuperei meu (caderno) - agora nele eu ando descalça, com os pés sujos de lama e as unhas descascadas de vermelho, o rosto assimétrico e o cheiro, aquele cheiro feito de tristeza e ternura. Nele eu desenho formas geométricas e corpos exaustos e o tempo descompassado em movimento desacelerado - tudo com fluidos do meu próprio corpo, compacto. Nele, agora, eu colo fotos de pessoas antigas, de cor branca-e-preta, pessoas que foram aquilo que eu desejo ser - porque eu desejo. Colo paisagens desconhecidas, de lugares que eu tenho saudades e bancos de praça vazios e ruas escuras de dar medo - de propósito. Nele eu me debruço, subindo e descendo até o limite do prazer sem limites, da pressão atmosférica da pressão cardíaca. Nele eu não espero encontrar ninguém, espero encontrar a palavra, e que seja sagrada e clandestina, que venha do túmulo das minhas insanidades ou do colo das minhas doces certezas. Nele eu gravo todos os sons, os ruídos de passos, os estalos de línguas e o suspiro quase sem nota daqueles. Gravo as músicas dos meus minutos, a gravidade das horas densas e a leveza da ironia sem graça. Nele eu crio listas de prioridades, traço planos de vida e de morte, invento salmos da mais pura blasfêmia e faço viver quem repousa por entre as minhas dobras sem nem saber. Dele eu expulso sistemas, desmancho princípios e justificações que existem só para o alívio de quem as tem. Nele eu não me importo com incômodos ou jogos de contradição, aqui eu abro as pernas e os braços aos gênios malignos, aos enganadores e ao precipício. Nele eu sou só fluxo, me transformo em derrame, escorro por um buraco no meu próprio peito - onde enfiaram a faca e rodaram sete vezes. um. dois. três. quatro... Aqui eu me despeço da unidade e deságuo e me enfio por entre as curvas da mais estranha e desconhecida alteridade.

domingo, julho 10, 2005

apolíneo X dionisíaco

Pretensiosamente,
M.

a maldição dos olhos furados & minha repetição que me cansa OU a ignorância

Nada basta mais. O escuro e as flores não bastam, assim como os violinos e as visitas de nômades na minha cabana no deserto, na minha casa de areia que é coberta, recoberta, transposta necessariamente. Tudo sempre falta. Tem faltado sangue, tem faltado quem tenha coragem de roubar veias para devolvê-las cheias de vinho no dia seguinte num embrulho de papel de seda com uma fita de qualquer cor. Tem faltado coragem. Tem sobrado cansaço, tem cansado a insistência obsessiva aqui dentro. Dentro que não é espaço, não é concreto, é puro inferno num abstrato, de quem tem pena, de quem tem medo, quem não tem fundo mas cultiva espinhos cheios de não saber: nem de si, nem do mundo, nem de ninguém.
Os espinhos da maldita ignorância, que espetam sem nem saber a quem.