(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

sábado, fevereiro 25, 2006

o brilho.

agora acordava não somente quando os olhos se abriam em farelos, mas também quando era possível enxergar algo além dos próprios pés imediatos. acordava mesmo já de olhos abertos. era um estado novo de vígilia, duplamente desperta, ainda que o terceiro estado continuasse o de torpor e o quarto um pequeno coma. o quinto sempre uma quase morte. mas a grande surpresa era mesmo o estalo de abrir os olhos já abertos, enquanto o resto ainda dormia. acordava mesmo para o que ainda não se vê nítido por aí, mas cheira e ecoa verdadeiro e irresistível: aquilo que não é visto de tanto e muito ofuscar.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

soneto

e aquela noite. a branca elétrica tempestade. o lago
em chamas. tu a dormires tão ruidosamente. os teus grandes
ossos. a testa macia. a tua pálida boca seca. a pele gretada do lábio a escamar. limpá-la com dentes de precisão de ponta de agulha. mascar e rolar num minuto uma bola translúcida e cuspi-la contra o horizonte. pele. é tão
maravilhoso descascar-te as costas depois do verão. um perfeito lençol de pele. observa atentamente a tatuagem alguma loira. a tua espinha fóssil. a insalubre mancha oliva debaixo

a premir o véu de pele contra a minha cara. a chupar
um pouco a cada inspiração. um ferrão inunda as águas-
-furtadas por baixo da pele. no crânio o tornado elétrico. chupando mais e mais a cada inspiração. a ereção da pele todos os símbolos de uma felicidade. eu estava tão maravilhada tão tocada eu
amei-te tanto.

patti smith

terça-feira, fevereiro 07, 2006

como uma imigrante.

entre as cartas e e-mails antigos que inevitavelmente fazem escorrer o choro, do que poderia ter sido e não foi, do que foi e não deveria ter sido. concluo atrasada e idiota que simplesmente peguei as reticências que me foram ofertadas e quebrei nas mãos, frias de quase cera.
(prometo que ainda serei a escultora obcecada, ainda que não haja dança alguma para mim.)

Éramos nós, através do seus olhos de chuva:

No sábado
calada
cobri a cabeça
de cinzas
vesti o casaco
e jejuei.
Tomei a minha sina
em 25 mg.
Depois sonhei.
Eu andava
ela andava.
Eu caía
ela caía por cima.
Ficamos ébrias
sujas
rotas.
Vendemos o corpo
as lágrimas
a roupa.
Então nos guardamos
nos quartos mais recônditos
e nos purgamos
até a última gota.

No domingo
levantou-se
banhou-se.
Abriu a janela
e ordenou
venha até aqui.
Eu hesitei
ela disse não tema.
Eu me aproximei
ela me empurrou.
Eu voei.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

andar, correr.


"A vida se contrai e se expande proporcionalmente à coragem do indivíduo."
Anaïs Nin

La mort? C'est impossible!

o que sei é do patíbulo esquecido, sinônimo: cadafalso. o esquecimento da pena capital, da condenação, da voz que um dia ecoa em tom de zombaria: c'est finis! a condição de viver, quando não se é eterno; quer dizer: quando se é eterno, simplesmente não se vive, e isso é sem condições. as tristezas travestidas de bonança que ensinam sobre os homens, digo nascer, crescer, reproduzir, morrer. repito do patíbulo esquecido: esses enfiam a morte nos orifícios mais recônditos como um supositório que logo depois se dissolve, digo os já nascidos, crescidos, reproduzidos, mais: dissimulados que fingem não ser os futuros morridos. e a morte-condição é o zumbido no ouvido que incomoda, e os coitados tentam deter, como a dedetização do ambiente contra os vermes, o cheiro de lavanda desconhecendo o solo de cadáveres, os pés que pisam no sangue, a casa ao lado e as flores amarelas do velório; é a consciência nula e torpe do tempo. (henry miller escreveu sobre gostar dos homens que carregam o tempo no sangue, eu admito minha guerra com o tempo e a consciência opaca do duo vida&morte a dançar. oh, claro! isso aqui é auto-referencial!)
o desperdício com cuidados em vão, a placa no metrô: "cuidado! perigo de vida." a frase mais deliciosa e ambígua que li nos últimos tempos, como se a negação do cuidado me jogasse de vez na boca aberta e perigosa da vida. genial. ou talvez eu tenha mesmo me confundido nas minhas operações lógicas e concluído o que me apraz, o que admito não ser difícil (...) mas querem mesmo fingir-não-saber do fim da linha sem saber que assim sacrificam todo o percurso, do mesmo modo como querem negar seus orgãos pulsantes, melados em suas roupas íntimas dentro das igrejas, nos escritórios, nos jantares de família, no calor que aumenta a transpiração e pede água gelada escorrendo na espinha. agora entendo as escusas sobre sexo: é que dizem que todo gozo é uma pequena morte, e não se esqueçam, de morte não querem falar. engraçado como a lista das negações e das vergonhas não cessa, se multiplica, nunca se basta.
(Engraçado como eu, moça delicada, me presto a esse tipo de
denúncia-escrita-emporcalhada numa tarde ensolarada e promissora de verão! Aguardo, pois, a condenação.)

domingo, fevereiro 05, 2006

patológica.

olha bem, e fundo:
eu não troco meus cigarros por um aperto de mão
nem sorrisos por um gole na cerveja doce, escura.
coloco na mesa as verdades, quietas ao lado do maço e
nem me importo se a razão, aquela,
tiver sido mastigada pelo cachorro mimado
antes de sair de casa.
tenho síndromes:
a síncope nas palavras
e aquela, neurocardiogénica.
de súbito me escorre o sentido das coisas
e me perco sem tempo e sem norte nos desertos [inabitados].
me vejo:
remando lá do outro lado.
[sem querer porém querendo --
(secretamente? me valendo.) ]

digo e repito:

celular? não!
só com toque dodecafônico.