(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

sexta-feira, setembro 30, 2005

carta à ninguém.

doçura,

meus dias tem sido retos, sem sinuosidade, sem necessidade de saltar por cima das poças, porque elas não existem mais. limparam todas as folhas secas que faziam o chão desde o outono. portanto, meus dias tem sido de asfalto, bem assentado - sem brechas, sem margens à qualquer desvio. deveria estar satisfeita, aliviada, já que não me canso mais com os morros, a lama, o cascalho. agora que consigo fazer da corda bamba um instrumento de divertimento! quase uma artista de circo, daqueles exercícios de aéreo. por falar nisso, é tão bonito aquele...o exercício chama-se tecido. pendura-se um pedaço enorme de tecido no teto e com ele faz-se as coisas mais bonitas. voa-se, e isso sempre me remete à um bicho tecendo uma teia. por falar em teias, outro dia sonhei que estávamos no alto de um prédio, tecendo um tapete enorme com linhas coloridas que saíam de dentro de uma gaiola. não queira entender. minha interpretação é a seguinte: na verdade penélope não sai da minha cabeça! tecer, tecer esperando, até que a noite chegue e se desmanche para que no dia seguinte teça tudo outra vez. por fidelidade à ulisses. uma esperança tão obstinada(tola?), sendo que ulisses chega 20 anos depois. as linhas engaioladas, são as esperanças (tolas?). engaioladas, pela vontade que engole todo tipo de reflexão, é a prisão cega, a paixão. não queira entender. mas no sonho não desmanchávamos o tapete. ele crescia, crescia. até que. não queira entender. falando em paixões, sempre desconfiei daqueles que não as consideravam e exigiam que estas se curvassem perante à razão. ainda desconfio, desconfio desse despir-se, desse afastar-se de si, dessa reflexão desinteressada e fria, frígida. paixão é condição. mas, ouça-me, não me entenda errado, a cegueira também me causa desconforto. na verdade acho que minha condição é a seguinte: passional com os cerebrais e cerebral com os passionais. admito o abismo que isso gera. mas não se espante. porque eu nem mais me espanto. a questão toda se resume em uma palavra: irresolução. você acha triste? eu não.
queria escrever-te há tanto tempo! desde a sua última carta, que acredite, fui vê-la em cima da mesa enquanto ouvía aquela música. depois de ler, peguei o mozart, meu cão carente e o mais novo epiléptico da região (meu irmão chama-o de dostoiévski, eu às vezes de ian curtis), e passeei com ele um pouco pelo bairro, às seis da tarde. o meu horário, você sabe. do crepúsculo sem escrúpulos, cheio de segredos.


queria dizer mais, são tantas coisas! mas preciso andar, o sino toca.
amor,
guadalupe

quarta-feira, setembro 28, 2005

da positividade do masoquismo intelectual.

Admito: experimento e participo da aridez para afirmar e reafirmar 10 vezes mais, o meu desprezo por ela. Dessa forma, a insuportável sede afirma e reafirma a necessidade natural que se agrega à minha vontade caprichosa de sempre muita, muita água.
- Encontrei uma fonte de água caudalosa, uma "morada" que possivelmente me conservará peixe. -
(!)

terça-feira, setembro 27, 2005

poesia marginal, em homenagem ao gui.

a xícara de café escorregoucaiu-q-u-e-b-r-o-u.
a palavra xícara continuou intacta
grudada no canto da boca,
feito açucar.
diluí açucar no café
a palavra açucar continuou intacta
escondida no fundo da língua
- esperando uma frase adequada -

(se revela)

pequenas epifanias
no despir-se,
na palavra que significa
o silêncio,
do calar-se
redefinindo
sem forma
é o fundo que escorre
espraiando,
e retorna.
o instante livre
de ornamentos tolos
uma agulha que toca
e espeta
enquanto se borda.

espanto:
um pingo de sangue
substancial
que rompe os tecidos
do dedo
e pujante-vermelho,
se mostra.


segunda-feira, setembro 26, 2005

paralaxe:
(cs) sf. Ângulo sob o qual um observador, situado em uma determinada estrela, veria o raio de órbita terrestre.

domingo, setembro 25, 2005

Há uma aurora que não se esgota em principiar, mas é também o término da dor do espectro, da cegueira, do conhecer pelo tatear. A aurora que é começo e fim, luz que extermina a sombra, luz que vislumbra distante o processo do sombrear. Dos morcegos que se iniciam, das corujas centro desperto do mundo, do avesso escuro da cidade que desiste temporariamente de ser cidade. Há um cheiro de morte mal interpretada, pois tudo parece suspenso, as ruas perigosamente perfumam-se de lírio, celebrando a condição de entreato. Diz-se da noite que ao mesmo tempo mata e promove o parto. Pensas tu a noite como o não-ser entre dois dias, ou os excessos transbordantes de um lado e de outro, que oprimem as horas claras? Noite quer ser gato baldio, tango esquecido na vitrola. Luz? Do esqueiro que acende o crime, do delírio que ilumina a senda de quem precipita. Uma pergunta tendenciosa: Tornamo-nos rotos no fluxo degenerado dos dias ou na simples impossibilidade de consumo-classe-média que não cabe no escuro? À noite o silêncio deixa-se tocar, ao dia respira-se empáfia. Mas não esqueçamos a aurora! A redenção na claridade. Contendo o espraiar da noite, o perigo de sublimar - do dizer subliminar. Aurora guarda a lua nos bolsos e apazigua a dor de morrer com promessas de retorno crepuscular.

Mas afinal, quem nesse ininterrupto é o verdadeiro algoz ?

sexta-feira, setembro 23, 2005

presente (flores?) do joão.

“Depois, dando-me conta de que ninguém podia ver-me, resolvi não tornar a mover-me por medo de perder, se devia realizar-se o milagre, a chegada, quase impossível de aguardar (através de tantos obstáculos de distância, de riscos, de perigos), o inseto, enviado de tão longe como embaixador, à virgem que desde tanto tempo prolongava sua espera. Sabia eu que essa espera não era mais passiva do que na flor macho, cujos estames se haviam voltado espontaneamente para que o inseto pudesse recebe-la com mais facilidade; nem mais nem menos como a flor fêmea, que ali estava, se chegasse o inseto, arquearia faceiramente os seus ‘estilos’ e, para ser melhor penetrada por ele, andaria imperceptivelmente metade do caminho, como uma rapariguinha hipócrita mas ardente. As leis do mundo vegetal são regidas a seu turno por leis cada vez mais altas. Se a visita de um inseto, isto é, o aporte da semente de outra flor, é habitualmente necessária para fecundar uma flor, é porque a autofecundação, a fecundação da flor por si mesma, como os matrimônios repetidos numa mesma família, traria a degenerescência e a esterilidade, ao passo que o cruzamento efetuado pelos insetos dá às gerações sucessivas da mesma espécie um vigor desconhecido de seus antepassados. Contudo, pode esse impulso ser excessivo e a espécie desenvolver-se desmesuradamente; então, assim como uma antitoxina nos protege contra uma enfermidade, assim como a tireóide regula a nossa gordura, como a derrota vem a castigar o orgulho, a fadiga ao prazer e como o sono, por sua vez, descansa da fadiga, assim um ato excepcional de autofecundação acode, no momento indicado, para dar a sua volta de torno, sua frenagem, restituindo à norma a flor que havia saído exageradamente dela. Haviam minhas reflexões seguido uma vertente que descreverei mais tarde, e já tinha eu inferido, da aparente astúcia das flores, uma conclusão sobre toda uma parte inconsciente da obra literária, quando vi o sr. De Charlus que regressava da casa
da marquesa”.

Proust, Sodoma e Gomorra (Em Busca do Tempo Perdido)

Pandemônio - - - > deixar marcas na sua pele branca.

um bando de
filhos-da-puta
me olhando
como se eu fosse
uma metáfora.

mataria
sufocaria
d-e-s-t-r-u-i-r-i-a
um por
um.
literal.
hiperbolicamente.

enterraria os dedinhos
arrancados
nos vasos de flor
da janela
e

maternalmente
porque sou fêmea
(não sou?)
em amores e candura
bordaria
para-cada-um

um par de luvas
para seus não-dedos
para seu não-tato
e tudo isso
por puro
prazer de:
maltrato.

(fazer morrer devagarziiinho...)

segunda-feira, setembro 19, 2005

simbolismo medieval

essa noite sonhei com uma freira, uma puta e uma manicure.
disse-me a freira: contenha-se
disse-me a puta: engula
disse-me a manicure: extraia
após os sábios conselhos, fechei a porta do quarto e me tranquei no banheiro.
---sem cutículas e sem pudores joguei a cruz na privada---

domingo, setembro 18, 2005

sublimação : sê cínico.

Faça de conta que os cortes não passam de pinturas feitas a tinta num dia de festa onde todos só queriam assustar uns aos outros com esses efeitos vermelhos. Faça de conta que esses cortes que denunciam a sua hemofilia não atraem vampiros mas somente borboletas que se lambuzam de néctar, na primavera, verão, outono, inverno...e primavera. Tente esquecer então que não há linha cirúrgica, nem linha-de-pensamento, que não há linha alguma que permita um ponto que promova a união dos tecidos - do corpo, que não é de seda. Faça de conta que arder o corte com a água, arder o corte com a chuva é como sorver um ácido que cauteriza a sua fraqueza, a sua vergonha, e extirpa num só golpe o teu núcleo necrosado que nunca te faz presente. Ainda de olhos bem abertos a tudo o que acontece externamente, esqueça que esses cortes foram feitos pela baixeza e pela perfídia e eleve-se em pensamento crendo ser estes, estigmas crísticos. Ainda sem embaraço, faça de conta que o sangue que escorre corpo abaixo, em sua roupa limpa & branca retorna à terra, num movimento natural que nutre o solo e torna fértil. Mais uma vez, com os dedos, penetre os locais dos cortes e faça deles (dos dedos) instrumentos de pintura: um painel na parede da sala, um desenho em mesa de bar, um escrito qualquer num papel qualquer. Passe a chamar os cortes de sulcos, pregas, fendas e esqueça das células, da profilaxia, dos curativos. Trate-os como novos orgãos dos sentidos que recebem estímulos. Acostuma-te à incapacidade de supurar & trate de manchar cada canto escuro a que te convidam e permitem entrada.

quinta-feira, setembro 15, 2005

Efemérides

dizia-me que seus esboços eram tristes tentativas de um desfecho impossível
mas os cadernos, risos de um sátiro troçador
dizia sorrateiramente que seus poemas eram apenas usos
de pontos-de-fuga
- o elemento que dá profundidade aos objetos - explicou.
e os seus desenhos,
pequenas mandalas
feitas em papel de arroz
de um risco leve, traço fino, sendo que
cerimonioso
depois de 3 dias queimava
toda aquela tridimensionalidade
queria dessa forma,
regar a impermanência.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Para Maria - que eu amo desde 1972.

Frase bela de hoje - enquanto eu e Maria Fernanda caminhávamos
com pressa até o seu trabalho, falando de esfinges,
do ato-de-bater-cartão e horários-de-café:

"Oh vida! Que o tempo não deveria ser assim contabilizado!"

[A frase é dela ( ficando por minha conta a reprodução quixotesca)].

terça-feira, setembro 13, 2005

resposta à.

não nego que prefiro
a delicadeza
das tulipas
à embriaguez
das rosas.
ainda assim
me entristeço ao saber
que
para todas,
fenecer
é a condição - de ser.

mas invejo sempre, e tanto
a coragem da rosa ao insistir
despetalada
(em ser)
com os espinhos.

palavra do dia:
DERRADEIRO

segunda-feira, setembro 12, 2005

CENSURADO.

constatado infausto, dantesco e ignóbil.

Jamais réel et toujours vrai

"Realismo ingênuo
O homem do nosso tempo acredita francamente que sua informação filosófica e histórica o salva do realismo ingênuo. Em conferências universitárias e em conversas nos cafés, chega a admitir que a realidade não é o que parece, e está sempre disposto a reconhecer que seus sentidos o enganam e que sua inteligência constrói uma visão tolerável porém incompleta do mundo. Cada vez que pensa metafisicamente, sente-se "mais triste e mais sábio", mas sua confissão é momentânea e excepcional, enquanto o contínuo da vida o instala de cheio na aparência, concretiza-a em torno dele, veste-a de definições, funções e valores.
Esse homem é um ingênuo realista, mais que um realista ingênuo. Basta observar seu comportamento frente ao excepcional, o insólito: ou o reduz a fenômeno estético ou poético ("era algo realmente surrealista, te juro") ou desiste, em seguida, de buscar na entrevisão que ganhara um sonho, um ato frustrado, uma associação verbal ou causal fora do comum, uma coincidência perturbadora, qualquer das fraturas instantâneas do contínuo.
Se o interrogam, diz que não crê plenamente na realidade cotidiana e que somente a aceita de maneira pragmática. Mas lógico que crê, é só em que crê. O sentido de sua vida assemelha-se ao mecanismo de seu olhar.
Às vezes tem uma efêmera consciência de que a cada tantos segundos as pálpebras interrompem a visão que sua consciência preferiu entender como permanente e contínua; mas quase de imediato o pestanejar volta a ser inconsciente, o livro ou a maçã firmam-se em sua obstinada aparência.
Há como um acordo de cavalheiros entre a circunstância e os circunstantes: você não me tira dos meus costumes e eu não fico cutucando o senhor com um palito. Mas o problema agora é que o homem-menino não é um cavalheiro, mas um cronópio que não entende bem o sistema de linhas de fuga graças às quais cria-se uma perspectiva satisfatória dessa circunstância, ou, como sucede nos collages mal feitos, sente-se em uma escala diferente com relação à da circunstância, uma formiga que não cabe em um palácio ou um número quatro em que não cabem mais que três ou cinco unidades.
A mim isto ocorre claramente, às vezes sou maior que o cavalo que monto, e outros dias caio dentro de um dos meus sapatos e sofro um golpe terrível, sem contar o trabalho pra sair, as escadas fabricadas nó a nó com os cordões e a terrível descoberta, já na ponta, de que alguém guardou o sapato dentro de um guarda-roupa e que estou pior que Edmundo Dantés em um castelo de If, porque nem sequer há um padre à mão nos guarda-roupas da minha casa.
E eu gosto, e sou terrivelmente feliz em meu inferno, e escrevo. Vivo e escrevo ameaçado por essa lateralidade, por esse paralaxe verdadeiro, por esse estar sempre um pouco mais à esquerda ou mais ao fundo do lugar onde se deveria estar para que tudo se materializasse satisfatoriamente num dia a mais de vida sem conflitos. "

Julio Cortázar

sexta-feira, setembro 09, 2005

o pão que o diabo amassou (e que eu como com um prazer infernal)

-------- encara e tenta olhar cortante nos olhos mas eles sempre se abaixam por falta de força e audácia. o que não quer dizer que faltem desejo e malícia. o que não quer dizer que não haja animalidade e potência infinitas nas pernas civilizadamente cruzadas, na respiração
timidamente pausada e na fala, não! nunca houve fala, nunca houve palavra trocada.
mas o verbo que se esconde e se exprime na carne e no osso ------- no veio fundo do corpo.
.
.
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e das vísceras.

quarta-feira, setembro 07, 2005

o pão nosso de cada dia.

Em processo autofágico.

segunda-feira, setembro 05, 2005

à insônia, filha bastarda de morfeu.

Tu Queres Sono: Despede-te dos Ruídos


Tu queres sono: despe-te dos ruídos, e
dos restos do dia, tira da tua boca
o punhal e o trânsito, sombras de
teus gritos, e roupas, choros, cordas e
também as faces que assomam sobre a
tua sonora forma de dar, e os outros corpos
que se deitam e se pisam, e as moscas
que sobrevoam o cadáver do teu pai, e a dor (não ouças)
que se prepara para carpir tua vigília, e os cantos que
esqueceram teus braços e tantos movimentos
que perdem teus silêncios, o os ventos altos
que não dormem, que te olham da janela
e em tua porta penetram como loucos
pois nada te abandona nem tu ao sono.

Ana C.

sexta-feira, setembro 02, 2005

.poema.magro.

hoje
se eu fosse um
pássaro
estaria
sem penas
assim como uma flor
se desfaz
sem pétalas
hoje
eu depus as armas
perdi as defesas
esqueci
em casa
minha dureza tola
o ataque
cortei as garras
à faca
lavei as pinturas
de guerra
hoje
a rigidez dos músculos
dá lugar aos ossos
esquálidos
porosos
a música, em disco
arranhado
não cuspiria em nada
mas me sentaria
e encostaria
o corpo
em qualquer apoio
a cabeça
depositada
no colo - do outro
por isso
não me olhes torto
(por favor, nem me olhes no olho!)
pois estou
quase
a quebrar.