(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

terça-feira, março 07, 2006

destruindo godot.

estou planejando um crime à serviço daqueles que não querem mais a expectativa e a ferida aberta da espera. procurarei godot no inferno fervente e tortuoso, nas águas escuras e frias lá embaixo, nos terraços dos prédios arranha-céu, no céu nervoso e arranhado pelas pontas desses tais prédios insidiosos, que inclusive atearei fogo num surto de piromania. godot há de estar na beira de alguma auto-estrada anonimamente fugitivo e fugidio. Paris ou Texas? sinto cheiro de godot nas roupas de cama da pensão onde me encontro há meses, estou no século passado lavando as mãos e as vestes sujas de sangue de mais uma cabeça decapitada. rio de minha irmã-lua Salomé dançando louca pelo quarto, com os pés se desfazendo em carne-viva, com os olhos fixos no chão e em repetições de puro mantra: “Que vermelhas são essas pétalas! Parecem manchas de sangue na toalha!”. sussurro que só quero e preciso da cabeça de godot, ainda que ela não me ouça. tento uma mensagem engarrafada em espumas de ameaças, com toda a verborragia típica dos desesperados. Atlântida ou Pasárgada? sei que godot está ilhado com medo dos tubarões que querem seu pescoço assim como nós que temos fome do escuro. corro como uma condenada e subo as escadas da torre mais alta da cidade, subo calada pensando nos satélites artificiais, nos paraísos artificiais, nas flores artificiais --- na cabeça arrancada e redonda de godot, todinha orgânica e pesada como um vaso de flores naturais. de cima da torre eu grito aos céus, explodo os ouvidos de deus e arrebento as harpas dos anjos com a força dos meus agudos. godot foi visto pela última vez sozinho num barco, no meio do rio - entre as duas margens. godot foi visto no deserto cativando uma raposa após uma longa conversa ao pé da macieira. godot estava nu, a comer maçãs com um casal naquele antigo jardim. "godot não tem mapa, não tem norte, nem relógio!" --- gritamos nós em uníssono. minha última estratégia: esperar godot na porta estreita do mundo, enforcá-lo com a linha do tempo até seu último suspiro gutural. assim a espera e a angústia se dissolveriam no eterno. alto lá! prevejo então que seria punida por mim mesma, e em processo autofágico me destruiria por completo.
então gritariam:
- godot não deveria ser morto! ele é o vir-a-ser que nunca vem!
e soprariam minhas cinzas como zumbis, mortos-vivos em auto-comiseração, entoando um coro: - matar godot é quebrar a espinha dorsal do Desejo. [você arrebatou o coração do mundo .]

3 Comments:

Anonymous Anônimo said...

menina, você me assusta.

10:24 PM  
Anonymous Anônimo said...

pra ser lido em voz alta!

11:17 AM  
Blogger Fefa said...

cotidianamente,
você me assusta também.
e me encanta.

2:43 PM  

Postar um comentário

<< Home