(Sístole & Diástole) ou (Atrás dos olhos das meninas sérias)

Mais importante que a palavra é a textura - até mesmo porque a palavra (quase) nunca presta.

terça-feira, janeiro 24, 2006

As margens da Alegria

"
(...)
O menino fremia no acorçôo, alegre de se rir para si, confortavelzinho, com um jeito de folha a cair. A vida podia às vezes raiar numa verdade extraordinária.
(...)
Assim um crescer e um desconter-se - certo como o ato de respirar - o de fugir para o espaço em branco. O Menino.
E as coisas vinham docemente de repente, seguindo harmonia prévia, benfazeja, em movimentos concordantes: as satisfações antes da consciência das necessidades.
(...)
O Menino agora, vivia; sua alegria despedindo todos os raios.
(...)
O menino via, vislumbrava. Respirava muito. Ele queria poder ver ainda mais vívido - as novas tantas coisas - o que para os seus olhos se pronunciava. A morada era pequena, passava-se logo à cozinha, e ao que não era bem quintal, antes breve clareira, das árvores que não podem entrar dentro de casa. Altas, cipós e orquideazinhas amarelas delas se suspendiam. Dali, podiam sair índios, a onça, leão, lobos, caçadores? Só sons. Um- e outros pássaros- com cantos compridos. Isso foi o que abriu seu coração. Aqueles passarinhos bebiam cachaça?
(...)
Todas as coisas, surgidas do opaco. Sustentava-se delas sua incessante alegria sob espécie sonhosa, bebida, em novos aumentos de amor. E em sua memória ficavam no perfeito puro, castelos já armados. Tudo, para a seu tempo ser dadamente descoberto, fizera-se primeiro estranho e desconhecido. Ele estava nos ares.
(...)
(...)
(...)
Tudo perdia a eternidade e a certeza; num lufo, num átimo, da gente as mais belas coisas se roubavam. Como podiam? Por que tão de repente?
(...)
Só no grão nulo de um minuto, o Menino recebia em si um miligrama de morte.
(...)
Sua fadiga, de impedida emoção, formava um medo secreto: descobria o possível de outras adversidades, no mundo maquinal, no hostil espaço; e que entre o contentamento e a desilusão, na balança infidelíssima, quase nada medeia. Abaixava a cabecinha.
(...)
Tudo se amaciava na tristeza. Até o dia; isto era: já o vir da noite. Porém, o subir da noitinha é sempre e sofrido assim, em toda parte. O silêncio saía de seus guardados. O Menino, timorato, aquietava-se com o próprio quebranto: alguma força, nele, trabalhava por arraigar raízes, aumentar-lhe alma.
(...)
Trevava.
Voava, porém, a luzinha verde, vindo mesmo da mata, o primeiro vaga-lume. Sim, o vaga-lume, sim, era lindo! - tão pequenino, no ar, um instante só, alto, distante, indo-se.
Era outra vez em quando, a Alegria. "

Guimarães Rosa


O Menino? O Menino sou eu a respirar o mundo.

1 Comments:

Anonymous Anônimo said...

ler o seu blog está me fazendo voltar a muitos momentos. estou chorando, soluçando, sorrindo, por reler este trecho. que lindo. eu não te conhecia, maíra. tomei um pouco de vinho, depois de trabalhar duro por algumas semanas, e que alegria me livrar :) um pouco da vida!

12:50 AM  

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